24 de maio de 2009

Tempo

O teu ritmo é um mistério que não consigo decifrar.
Moves-te rápida ou lentamente numa batida que não oiço, que não sinto, à qual o meu corpo infelizmente é sensível e se adapta sem que nada possa fazer.
Corres cavalgante entre os silêncios carinhosos, sempre que me deleito num abraço meigo, numa conversa fora, num sol à beira mar. Escorres entre os meus dedos cada vez que te tento prender nas minhas mãos, como grãos de areia limpa e branca, como água de fonte límpida...
Parto tudo quanto te prende, busco, num insaciavel desejo, um meio de te travar, de te prender, de te fazer andar ao meu passo. Mas moves-te sem que te possa alcançar, guias-me numa corrente rápida em que me atropelo e não te vejo ao fundo, sempre querendo deter-te sem sucesso.

Outras vezes deitas-te à sombra, demoras-te dormindo um sono irritante, passeias-te num passo de criança ou de velhote, como se não pudesses mais correr ainda ou como dantes.
Tento pegar-te ao colo, tento fazer-te correr à minha frente, ao meu lado, nas minhas costas e nada. Na tua rádio toca um slow antigo e danças agarrado a um amor que não encontro. Estás em paz insensível à minha guerra, estás no tal ritmo da música que não oiço...

Já percebi o teu jogo, mas as tuas regras são demasiado complexas para que possa vencer...
Quando me vês tranquila, dás-me a pressa que te pedi antes, que te pedi quando eras a criança de passos inseguros. Quando preciso que corras, estás cansado, queres dormir um sono reconfortante e não podes acompanhar-me.

Andamos desfasados. Eternamente desencontrados, ouvindo sempre músicas diferentes.
És misterioso. Mas já sabes que não há mistérios indecifráveis...
Fascinas-me...
E no fim, como recompensa, de todo o meu esforço de te acompanhar, entrarás em mim, corroendo-me na verdadeira consumação do meu desejo de toda a existência, o desejo de te alcançar. Entrarás em mim engolindo-me na tua força, devorando a minha existência.
Sucumbirei.

Esta é a história da nossa existência, uma corrida por termos mais tempo...
No final, quando o tempo chega e nos envelhece percebemos que deveria ter sido uma corrida não para o alcançar, mas contra ele...

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